Sara ‘Saartjie’ Baartman

Sara 'Saartjie' Baartman

Jamila Pereira | @millie_gp
13 de Fevereiro, 2023

Sara ‘Saartjie’ Baartman nasceu em 1789 no rio Gamtoos, no que hoje é conhecido como Cabo Oriental, na África do Sul. Ela pertencia ao grupo de criadores de gado dos Khoikhoi. Sara cresceu numa fazenda colonial com a sua família. No entanto, a mãe dela faleceu quando ela tinha dois anos e seu pai, que era vaqueiro, faleceu quando ela atingiu a adolescência. Sara casou-se com um homem Khoikhoi que era baterista e juntos tiveram um filho que morreu logo após ter nascido. 

Devido à expansão colonial, os holandeses entraram em conflito com os Khoikhoi. Como resultado, as pessoas foram gradualmente absorvidas pelo sistema de escravatura. Quando ela tinha dezesseis anos, o seu noivo foi assassinado por colonos holandeses. Logo depois, ela foi vendida como escrava a um comerciante chamado Pieter Willem Cezar, que a levou para a Cidade do Cabo, onde ela se tornou empregada doméstica do seu irmão. Foi nessa época que ela recebeu o nome de ‘Saartjie’, um diminutivo holandês para Sara. 

Em 29 de outubro de 1810, Sara “supostamente” assinou um contrato com um cirurgião de navios inglês chamado William Dunlop, que também era amigo de Cézar e do seu irmão Hendrik. Aparentemente, os termos do seu “contrato” incluíam que ela viajaria com Hendrik Cezar e Dunlop para a Inglaterra e a Irlanda para fins de trabalho como empregada doméstica e ser exibida como entretenimento. Ela receberia uma parte dos lucros das suas exposições e teria permissão para retornar à África do Sul após cinco anos. No entanto, duas razões fazem com que a sua assinatura pareça duvidosa. A primeira é que ela era analfabeta e vinha de uma tradição cultural que não escrevia nem mantinha registros. Em segundo lugar, a família Cézar estava com problemas financeiros e suspeita-se que usaram Sara para fins lucrativos através de exploração laboral. 

Devido às suas nádegas volumosas (designadas hoje como Esteatopigia) e a sua melanina, Sara Baartman tornou-se um objeto de fascínio dos europeus coloniais que presumiam que eram racialmente superiores. Dunlop queria que Sara viesse para Londres e se tornasse uma raridade para o mundo das exibições. Ela foi levada para Londres, onde foi exposta num prédio em Piccadilly. Uma rua repleta de diversas “abominações” naturais e rotulada pelas “maiores deformidades do mundo”. Ingleses e inglesas pagaram para ver o corpo seminu de Sara, exposto numa gaiola de cerca de um metro e meio de altura. Eventualmente, ela tornou-se uma atração para pessoas de várias partes da Europa. 

Durante o seu tempo com os irmãos Cezar, a campanha contra a escravatura na Grã-Bretanha estava em pleno andamento e, como resultado, o tratamento dado a Baartman foi questionado por muitos. Os seus “empregadores” foram levados a julgamento, mas não enfrentaram consequências apropriadas. Eles apresentaram um documento que teria sido assinado por Sara Baartman e o seu próprio testemunho, afirmando que ela não estava a ser maltratada. O seu ‘contrato’ foi, no entanto, alterado e ela passou a ter direito a “melhores condições de trabalho”, uma maior participação nos lucros e um melhor vestuário. 

Depois de quatro anos em Londres, em setembro de 1814, ela foi transportada da Inglaterra para a França e, ao chegar, Hendrik Cezar vendeu-a para Reaux, um homem que exibia animais. Ele exibiu-a em Paris e recolheu os benefícios financeiros angariados com o fascínio do público pelo corpo de Sara. Ele começou a exibi-la numa gaiola ao lado de um bebê rinoceronte. O seu “treinador” obrigava a sentar-se ou a ficar de pé da mesma forma que os animais de circo são esperados. Às vezes, Baartman era exibida quase nua, vestindo pouco mais do que uma tanga bege, e ela só tinha permissão para isso devido à sua insistência em cobrir o que era culturalmente sagrado. Pouco depois, ela foi apelidada de “Vênus Hottentot”. Ademais, Reaux também fazia questão que Sara se prostitui-se e s sua constante exibição atraiu a atenção de George Cuvier, um pseudo-cientista e naturalista. 

Ele perguntou a Reaux se ele autorizava que Sara fosse estudada como um espécime científico, com o que Reaux concordou. A partir de março de 1815, Sara foi estudada por anatomistas, zoólogos e fisiologistas franceses. Cuvier concluiu que ela era um elo entre animais e humanos. Assim, Sara foi usada para ajudar a enfatizar e fortalecer o estereótipo de que os africanos eram excessivamente sexuais e uma raça inferior. Além disso, este evento marcou o exemplo primordial de hipersexualização, indesejável e comodificação da mulher negra que muitos teóricos investigam até hoje e que predomina tanto como na sociedade Ocidental como nas nossas redes sociais. 

Sara Baartman morreu em 1816 aos 26 anos. Não se sabe ao certo se ela morreu de alcoolismo, sífilis ou pneumonia. Após a sua morte, Cuvier obteve os seus restos mortais através da polícia local e dissecou o seu corpo. Ele fez um molde de gesso do corpo, conservou o cérebro e órgãos genitais, colocando-os em frascos que foram expostos no Musée de l’Homme (Museu do Homem) até 1974. A história de Sara Baartman ressurgiu em 1981, quando Stephen Jay Gould, um paleontólogo, escreveu sobre a história no seu livro, The Mismeasure of Man, onde criticou a ciência racial. 

Após a vitória do Congresso Nacional Africano (ANC) nas eleições sul-africanas, o presidente Nelson Mandela solicitou ao governo francês que devolvesse os restos mortais de Sara Baartman para que ela pudesse descansar. Porém, o processo levou oito anos, pois os franceses tiveram que redigir um projeto de lei, cuidadosamente redigido, que não permitiria que outros países reivindicassem “tesouros” pilhados pelos franceses. Finalmente, no dia 6 de março de 2002, Sara Baartman foi levada de volta para casa, onde foi enterrada. Em 9 de agosto de 2002, Dia da Mulher, feriado na África do Sul, Sara foi enterrada em Hankey, na província de Eastern Cape. 

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