Portugal 

Portugal

Jamila Pereira | @millie_gp
2 de Fevereiro, 2023

Portugal estabeleceu-se como um “estado civilizador” cuja missão era purificar e civilizar os domínios habitados no ultramar e suas populações indígenas que aparentemente careciavam moralidade e humanidade. Ainda assim, na Europa, Portugal era “vergonhosamente” reconhecido e escrutinado pelo seu esquecimento dos conceitos eugênicos ocidentais, o seu papel na miscigenação bem como tambem o crescimento da descendência mestiça na metrópole – todas consequências da expansão colonial. Seguindo o raciocínio de sociólogos como o brasileiro Gilberto Freyre, Portugal foi um caso “excepcional” como entidade colonial. Devido à mistura interracial, Freyre afirmou que Portugal tinha a capacidade de desenvolver novas civilizações nas suas colônias; assim, essa união dava-lhes a vantagem de se misturarem e desmantelarem as percepções dum imperialista implacável. Além disso, também reforçou a noção de que o seu “Europeísmo” foi de alguma forma diluído pela ancestralidade judaica e árabe, explicando assim o seu talento ao “confraternizar e socializar melhor” com os seus territórios ultramarinos, em comparação com outros estados europeus. Esta teoria social foi então rotulada de luso-tropicalismo. Porém, foi uma teoria rejeitada pelo Estado, que não pretendia associar-se dessa forma aos seus domínios subordinados. 

Assim, após a Segunda Guerra Mundial, quando surgiu a necessidade de justificar e legitimar a natureza colonial e imperial da nação, ela já existia. À medida que nações não europeias lutavam pela independência e os europeus do Norte pressionavam Portugal a deixar as suas colônias, o poder de teorias sociais como o luso-tropicalismo, agora era considerado pela ditadura de Salazar e fortemente empurrado ao público. O luso-tropicalismo foi então abraçado como uma técnica colonial para disfarçar o passado impiedoso e sangrento de Portugal como uma estrutura de integração pura e sensata, bem como uma forma de democracia. 

Daí o aparecimento de outros teóricos como Jorge Dias, umantropólogo Português, que reforçou o luso-tropicalismo ao defini-lo como o principal exemplo da atitude humana, solidária e amorosa Portuguesa para com as colónias e a sua natureza tropical, onde o coração de alguém e o cristianismo eram tudo o que importava. Ele também argumentou que a expansão colonial era apenas uma questão de explorar horizontes marítimos, não conquistá-los. Consequentemente, a capacidade de “adaptação” e “assimilação” a diferentes climas, culturas e povos também foi vista como um argumento convincente para manter os territórios dominados.  

Segundo Dias, a expansão colonial Portuguesa foi um símbolo da necessidade genética de aventura masculina, bem como uma forma de explorar o seu “desejo” por mulheres de outras raças, algo que herdaram da sua mistura ancestral. Inevitavelmente, esta noção de afecto e benevolência Portuguesa para com as populações não brancas foi plenamente adoptada por Salazar, que exigia uma base forte de colonialidade, na sequência do aparecimento dos movimentos anticoloniais. 

Salazar então revogou o ato colonial e reestruturou as políticas, de modo que as colônias deixaram de ser chamadas como tal; rebatizou-as de províncias ultramarinas – extensão indissociável da nação Portuguesa ultramarina, onde todos eram iguais. Apesar disso, a atitude do Estado não evoluiu com a sua nova retórica de igualdade. Do extenso esgotamento dos recursos naturais através de trabalho forçado às disparidades socioeconômicas envolvendo educação, regras de assimilação e acesso precário à saúde básica, o restante dos habitantes Portugueses nas colônias garantiu que a igualdade não passasse de um conto mítico. Deu-se uma tremenda romantização e um branqueamento de uma história racializada que não era nada além de brutal e desviante, enquanto fortalecia os sistemas econômicos, políticos e culturais da hegemonia branca. 

Portugal foi o último Estado europeu a “libertar” as suas colónias e, mesmo assim, derramou uma quantidade de sangue que ficará para sempre na memória e gravada em muitos corações. Portanto, embora as antigas colônias sejam todas independentes agora, a chamada “missão civilizadora” foi um fracasso total, pois muitas destas nações ainda se encontram a reconstruir as suas terras, enquanto tentam implementar um senso de democracia. Hoje, o legado do luso-tropicalismo e a expansão colonial só podem explicar a disfuncionalidade, o trauma e a falta de responsabilização. E sua rejeição é um reflexo dos Heróis do Mar e suas ações animalescas. 

Além disso, a história de racismo e colonialidade de Portugal é um exemplo de como as nações ocidentais branqueiam os fatos enquanto pedincham palmadinhas nas costas pelas suas “missões civilizadoras”. Enquanto isso, agentes do colonialismo, como Freyre e Dias, criaram uma narrativa de igualdade entre o colonizador e o colonizado. O luso-tropicalismo é uma clara ilustração disso, pois destaca a busca de renomear das relações entre Portugal e suas antigas colônias. E, infelizmente, essas alegações duram até hoje, quando vemos os Portugueses negarem os seus atos bárbaros,e chamando-os de trocas respeitosas de cultura e afeto entre comunidades. ex. Simbolos coloniais como o Padrao dos Descobrimentos e a Expo ‘98. 

Denominar uma história imperialista como encontros cortês e amigáveis, negligencia e impede a possibilidade do povo pensar criticamente ou mesmo discutir o efeito duradouro do colonialismo e suas migalhas, que foram deixadas em todo o mundo. Daí o surgimento de partidos como o Chega que devoram ideologias luso-tropicalistas e alimentam-se duma noção racista e desinformada de que os indígenas poderiam de alguma forma ter uma chance de prosperar, mas não aproveitaram as oportunidades civilizadoras. Descolonizar o currículo em toda a CPLP e dar espaço para estas conversas difíceis é, sem dúvida, um passo coletivo para desmantelar o racismo sistêmico e a ideia de que descobertas poderiam ter acontecido mesmo quando corações destemidos batiam . 

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